A estranha passageira
(Stanislaw Ponte Preta)
– O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de vôo – e riu nervosinha, coitada.
Depois pediu que eu me sentasse ao
seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem. Lá se ia a
oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no aeroporto, para me
distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacano respondendo que estava às suas
ordens.
Madama entrou no avião sobraçando um
monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente. Gorda como era, custou a se
encaixar na poltrona e a arrumar todos aqueles pacotes. Depois não sabia como
amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.
Afinal estava ali pronta para
viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a
zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos
berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi
ficando ridícula.
– Para que esse saquinho aqui? – foi
a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio e eu em
São Paulo.
– É para a senhora usar em caso de
necessidade – respondi baixinho.
Tenho certeza de que ninguém ouviu
minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e
exclamou:
– Uai... as necessidades neste
saquinho? No avião não tem banheiro?
Alguns passageiros riram, outros –
por fineza – fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de
primeira viagem. Mas ela era um azougue (embora com tantas carnes parecesse um
açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na
poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto
com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.
O comandante já esquentara os
motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de
decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer
coisa. Logo veio a pergunta:
– Quem é essa tal de emergência que
tem uma porta só para ela?
Expliquei que emergência não era
ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade,
saía-se por ela.
Madama sossegou e os outros
passageiros já estavam conformados com o término do “show”. Mesmo os que mais
se divertiam com ele resolveram abrir os jornais, revistas ou se acomodarem
para tirar uma pestana durante a viagem.
Foi quando madama deu o último
vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janela para ver a
paisagem) e gritou:
– Puxa vida!!!
Todos olharam para ela, inclusive
eu. Madama apontou para a janela e disse:
– Olha lá embaixo.
Eu olhei. E ela acrescentou: – Como
nós estamos voando alto, moço. Olha só... o pessoal lá embaixo até parece
formiga.
Suspirei e lasquei:
– Minha senhora, aquilo são formigas
mesmo. O avião ainda não levantou vôo.
Preta, Stanislaw Ponte. Garoto linha dura. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1975.
Estudo
do Texto
1)
O narrador desse texto é:
( ) Narrador-observador (conta algo que viu ou
soube por alguém)
( ) Narrador-personagem (participa da história)
2)
Que palavra é usada no texto pelo narrador
para se referir à estranha passageira
3)
Por que a estranha passageira estava
nervosa?
4)
Escreva com suas palavras como foi a
entrada da estranha passageira no avião, descrita pelo narrador no 3º
parágrafo.
5)
A mulher perguntou qual a finalidade do
saquinho que o avião disponibiliza aos passageiros e o homem respondeu: “É para
a senhora usar em caso de necessidade”.
a)
De que forma a mulher entendeu essa fala?
b)
O que o homem quis dizer com “caso de
necessidade”?
6)
Que mancada a passageira deu com relação à
saída de emergência?
7)
Leia: “Foi quando madama deu o último
vexame”. Qual foi o último vexame da estranha passageira?
Respostas:
1) Narrador-personagem
2) Madama
3) Porque era a 1ª viagem dela de avião.
4) Ela entrou cheia de embrulhos e muito desajeitada.
5) a) Entendeu que era para usar para fazer xixi ou cocô.
b) Ele quis dizer que era para usar em caso de enjoo.
6) Achou que era uma pessoa chamada emergência.
7) Achou que as formigas eram pessoas que estavam no solo, sendo que o avião ainda nem havia decolado.
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