domingo, 8 de abril de 2012

Festa de aniversário (Fernando Sabino)


Festa de aniversário
(Fernando Sabino)

Leonora chegou-se para mim, a carinha mais limpa deste mundo:
– Engoli uma tampa de Coca-Cola.
Levantei as mãos para o céu: mais esta agora! Era uma festa de aniversário, o aniversário dela própria, que completava seis anos de idade. Convoquei imediatamente a família:
–Disse que engoliu uma tampa de Coca-Cola.
A mãe, os tios, os avós, todos a cercavam, nervosos e inquietos. Abre a boca, minha filha. Agora não adianta: já engoliu. Deve ter arranhado. Mas engoliu como? Quem é que engole uma tampa de cerveja? De cerveja, não: de Coca-Cola. Pode ter ficado na garganta – urgia que tomássemos uma providência, não ficássemos ali, feito idiotas. Peguei-a no colo: vem cá, minha filhinha, conta só para mim: você engoliu coisa nenhuma, não é isso mesmo? – Engoli sim, papai – ela afirmava com decisão. Consultei o tio, baixinho: o que é que você acha? Ele foi buscar uma tampa de garrafa, separou a cortiça do metal:
– O que é que você engoliu: isto... ou isto?
– Cuidado que ela engole outra – adverti.
– Isto – e ela apontou com firmeza a parte de metal.
Não tinha dúvida: pronto-socorro. Dispus a carregá-la, mas alguém sugeriu que era melhor que ela fosse andando: auxiliava a digestão.
No hospital, o médico limitou-se a apalpar-lhe a barriguinha, cético:
– Dói aqui, minha filha?
Quando falamos em radiografia, revelou-nos que o aparelho estava com defeito; só no pronto-socorro da cidade.
Batemos para o pronto-socorro da cidade. Outro médico nos atendeu com solicitude:
– Vamos já ver isto.
Tirada a chapa, ficamos aguardando ansiosos a revelação. Em pouco o médico regressava:
– Engoliu foi a garrafa.
– A garrafa? Exclamei. Mas era uma gracinha dele, cujo espírito passava muito ao largo da minha aflição: eu não estava para graças. Uma tampa de garrafa! Certamente precisaria operar
– não haveria de sair por si mesma.
O médico pôs-se a rir de mim.
– Não engoliu coisa alguma. O senhor pode ir descansando.
– Engoli – afirmou a menininha.
Voltei-me para ela:
– Como é que você ainda insiste, minha filha?
– Que eu engoli, engoli.
– Pensa que engoliu – emendei.
– Isso acontece – sorriu o médico. – Até com gente grande. Aqui já teve um guarda que pensou ter engolido o apito.
– Pois eu engoli mesmo – comentou ela, intransigente.
– Você não pode ter engolido – arrematei, já impaciente: – Quer saber mais do que o médico?
– Quero. Eu engoli, e depois desengoli – esclareceu ela.
Nada mais havendo a fazer, engoli em seco, despedi-me do médico e bati em retirada com toda a comitiva.

Estudo do Texto

1) Ao se dirigir ao pai, a menina se mostra muito tranquila. Que frase do texto confirma essa afirmação?

2)  Diante da reação da filha, o pai ficou desesperado. Que frase do texto mostra isso?

3) Qual foi a primeira atitude tomada pelo pai?

4) Como o tio de Leonora fez para tentar verificar se realmente a menina tinha engolido a tampa?

5) Diante da contínua afirmação da menina, qual foi a providência tomada?

6) Por que sugeriram que a menina fosse andando?

7) Por que a família teve que levar Leonora  ao pronto-socorro da cidade?

8) Leonora mentiu ao dizer que tinha engolido uma tampa de refrigerante? Justifique.

9) Depois de toda a confusão, o que você faria se fosse o pai de Leonora?

Respostas:
1) Leonora chegou-se para mim, a carinha mais limpa deste mundo
2) Levantei as mãos para o céu: mais esta agora!
3) Pediu que ela abrisse a boca pra ver se ela havia mesmo engolido
4) Separou as duas partes da tampa e perguntou qual das partes ela havia engolido
5) Levaram-na para o pronto socorro.
6) Para auxiliar na digestão
7) Porque o aparelho de radiografia estava com defeito
8) Não, porque ela engoliu e depois "desengoliu"
9) Resposta Pessoal

3 comentários:

  1. Você poderia tirar uma dúvida?
    O narrador do texto é personagem ou observador? E qual é o foco narrativo?
    Obrigada :)

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  2. Narrador personagem, porque participa da história.

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  3. Foco narrativo de primeira pessoa – nesta modalidade, como o próprio nome nos indica, o narrador se torna também um personagem, assumindo a condição de narrador protagonista ou narrador coadjuvante. Por essa razão, afirma-se que traços subjetivos tendem a se manifestar, tendo em vista o envolvimento emocional mediante o desenrolar dos fatos.

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